O dia da final da taça de futebol, no ano de 1969, tornou-se numa das jóias da coroa da luta do movimento associativo estudantil. As forças do movimento de massas estudantil revelavam as extensas mazelas de uma luta que começara na decisão de incumbir o presidente da AAC, Alberto Martins, de em momento previsto, mas inopinado, pedir a palavra ao Chefe de Estado, Américo Tomás.
Face à surpresa,os próceres do fascismo, gaguejaram, mas organizaram a defesa, abrindo alas e fugindo a sete pés...
Foi em 17 de Abril...daí até ao dia 22 de Junho, data da final da Taça, centenas de estudantes foram espancados e presos, a Universidade encerrada e 8 dos principais dirigentes académicos foram suspensos de quaisquer actividades lectivas.
O que tudo obrigou a que a criatividade académica se espraiou radiosamente por ocupar o " campus" universitário em debates sobre temas académicos e nacionais,de que a guerra colonial se transformou num dos temas inevitáveis...
Foi por esse tempo que os estudantes representaram Brecht, contaram com a solidariedade de Zeca Afonso, Adriano, Portugal, Rui Pato,ou Manuel Freire, para estribar, num grosso movimento cultural e de convívio, a necessidade de manter a unidade entre as mais diversas camadas estudantis...
E, quando em 2 de Junho, primeiro dia da greve a exames, sentimos que na primeira fila do enfrentamento do estado de sítio, constituído por cordões de gnr's a cavalo e apeados, e desafiando os inúmeros agentes da Pide que provocavam os estudantes, estavam os olhos sorridentes das jovens raparigas, que rondando os 20 anos, sem medo, enfrentavam, na primeira linha, a Coimbra sitiada por verdadeiros anéis de aço, a que se juntavam cães-policias e polícias-cães...
Era ainda o fascismo, faltavam ainda os derradeiros 5 anos que nos levariam ao 25 de Abril.
Era uma luta por demais dura...que tentámos ganhar em pequenos passos com as operações Flor e Balão, em que descíamos por sobre a cidade, ocupando as ruas centrais, distribuindo flores, no primeiro caso, ou fazíamos subir balões de hélio, e fazendo massivas distribuições de poemas impressos, dos principais poetas nacionais...Tudo foi importante, uma política de criatividade activa associada a um discernimento táctico que foi decisivo para a vitória da Crise de 1969.
Mas faltava algo que penetrasse bem fundo nas garras do fascismo...Foi aí que entrou com toda a coragem e combatividade o admirável papel dos jovens estudantes que integravam a Secção de Futebol da Associação Académica de Coimbra. Assumindo desde o início da Crise a decisão de cumprir o "luto académico"(eufemismo para greve), os excelentes estudantes-futebolistas, que constituíam uma das melhores equipas da Briosa, foram levando de vencida todos os seus opositores, o que permitiu à Direcção da AAC vencer ou tornear a censura, já que as sucessivas vitórias da Académica possibilitavam maciças distribuições dos comunicados associativos-políticos que ajudavam a romper a fúria censória dos esbirros do regime...
Tantas e tamanhas vitórias, que lá se superou o Sporting nas meias finais, e finalmente o Benfica na final...
Não sem que se deva dizer que os dirigentes do fascismo tudo fizeram para impedir o uso das braçadeiras do luto académico, brancas em cima de equipamento negro, ou perante o uso de equipamento completamente branco, para que o país e os assistentes dos jogos tomassem conhecimento que em Coimbra se passava algo de grave...uma luta estudantil contra o governo da Universidade e contra o fascismo....
Foi por isso que em 22 de Junho, no dia da Final da Taça de Portugal, os jogadores da Académica entraram a passo,respeitosamente acompanhados pelos jogadores do Benfica, e com as capas negras descaídas até ao chão, em sinal de luto...
Essa foi a final em que o Chefe do Estado pela primeira vez não esteve presente e ninguém do governo se fez representar...e a RTP também não transmitiu o jogo, e o hino nacional irrompeu espontâneamente das gargantas de milhares de estudantes de Coimbra e de Lisboa e com a solidariedade dos milhares de benfiquistas presentes que fizeram jus aos seus consabidos princípios antifascistas...
Foi um espectáculo inesquecível...talvez o maior comício político contra a ditadura de que alguma vez houve memória...
Nós, os estudantes e dirigentes de Coimbra estivemos lá, até porque no caso de ganharmos a Taça ela nos seria entregue pelos jogadores da Académica que nos convidariam a dar com eles a volta de honra...Não foi possível, era o Benfica do Eusébio...
Mas relembrem-se os bravos jogadores da Académica:Rui Rodrigues, Gervásio(falecido),Vieira Nunes, Belo, Marques, Viegas,Mário Campos,Nene(falecido),Manuel António, Peres, Vítor Campos.
Honra e glória aos jovens estudantes futebolistas que arrostando contra a ditadura, em solidariedade com os seus colegas, assumiram todos os custos difíceis de uma batalha porfiada contra o fascismo.
O 25 de Abril vinha já ali e esta luta do futebol teve um inolvidável papel...!!!
Osvaldo Sarmento e Castro(Vice-Presidente da Direcção-Geral da AAC,na crise de 1969)