Tal como a Comunicação Social anunciou, o Governo propôs a introdução, no Código Penal, de um novo crime de falsas declarações. Esse crime consistirá em alguém declarar ou atestar falsamente – sobre si mesmo ou sobre outrem e perante autoridade pública ou funcionário – a identidade, o estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos.
As falsas declarações estão hoje previstas no Código Penal como crime contra a realização da justiça. Porém, o artigo 362º isenta de punição quem se retratar antes de o seu depoimento poder causar prejuízo. Assim, a norma não se baseia na pura exigência de um comportamento perante a autoridade, mas no valor do resultado a alcançar: a verdade da justiça
No caso do arguido (que não tem o dever de se autoincriminar), o crime só abrange declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais. Neste caso, o Governo veio propor até uma restrição da norma, que passa a abranger, apenas, a mentira sobre a identidade, de harmonia com o regime consagrado, em 1995, para as declarações em audiência de julgamento.
O novo crime de falsas declarações perante autoridade pública ou funcionário abrangerá todas as declarações sobre identidade, estado ou qualidade de qualquer pessoa. O crime poderá ser cometido perante um vasto conjunto de interlocutores, que inclui agentes administrativos e trabalhadores de empresas públicas, nos termos do artigo 386º do Código Penal.
A maior amplitude desta norma incriminadora obriga a refletir no interesse que se pretende proteger. Estará em causa o valor da autoridade em si mesma? O objetivo será, aparentemente, impedir efeitos jurídicos baseados em declarações falsas, o que aponta para a proteção de instituições públicas cujo funcionamento se baseia em informações prestadas.
Todavia, a incriminação genérica de falsas declarações fora do processo penal cria um risco enorme se não for formulada com muita precisão, deixando antever os tipos de casos abrangidos e os efeitos que se pretende impedir. Não tem sentido que o crime abranja as afirmações proferidas perante qualquer agente administrativo ou trabalhador de empresa pública.
A excessiva amplitude torna pouco nítida a própria proteção da autoridade pública, por englobar situações de importância diminuta e poder potenciar a instrumentalização da perseguição penal para outros fins. Não podemos esquecer, aliás, que o valor da autoridade depende dos direitos e interesses que ela tem o dever de proteger em termos equitativos.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, a quem se agradece com a devida vénia.Foi publicado no "Correio da Manhã".
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