quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Passos Coelho e a reiterada insistência no ataque ao estado social

A apresentação, pelo PSD, de um Projecto de revisão constitucional na Assembleia da República faz de imediato desencadear um processo de revisão ordinária, nos termos do nº1 do artigo 284º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Ou seja, todos os demais partidos que entendam, também, tomar idêntica iniciativa, disporão de 30 dias contados da entrada na Mesa da AR do citado Projecto. O mesmo é dizer, admitindo que a entrega se processe a 15 de Setembro, como o PSD tem anunciado, o prazo dos demais partidos terminará em 15 de Outubro…
Como sempre tem dito o Professor Jorge Miranda e a generalidade dos constitucionalistas, o facto de ser possível fazer revisões ordinárias de cinco em anos em nada obriga a que tal suceda.
É bem certo que estão decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária e que, portanto, os deputados gozam do poder de iniciativa de revisão. Porém, tal não é imperativo ou obrigatório. Que me recorde, em anteriores revisões da CRP foram sempre tidos em conta os interesses do país e os tempos e oportunidade políticos.
Pela primeira vez, julgo poder asseverá-lo, um dos partidos necessários para contribuir para alterações à CRP, no caso o PSD, resolve avançar sem sequer consultar, ou mesmo contrariando reiteradamente as expressas posições do PS, o outro partido indispensável a qualquer alteração à Constituição, por mínima que seja.
E se insistimos em escrutinar a tese rigorista de Passos Coelho é porque o processo de revisão, pelos prazos que impõe, vai iniciar-se coincidentemente com o dia de entrega do Orçamento na Assembleia da República, ou seja, o já referido acima, dia 15 de Outubro.
Vale por dizer, as discussões sobre a revisão constitucional vão inevitavelmente contaminar a discussão da lei principal que em cada ano se aprecia e aprova na AR, isto é, o Orçamento de Estado
.
E se, por si só, a tendencial desvalorização da discussão económico-financeira que o OE sempre exige, já é um mau augúrio, a verdade é que Passos Coelho bem sabe que, algures em Janeiro, vão decorrer eleições presidenciais.
E se neste caso, o novel líder do PSD já teve de recuar em relação às propostas de alteração em matéria de poderes presidenciais, “maxime” em matéria de moção de censura construtiva, já que era configurada como uma flagrante diminuição dos poderes do PR, a verdade é que não há notícia, no nosso país democrático, de estar em aberto um processo de revisão constitucional em simultâneo com campanhas eleitorais, designadamente para a presidência da República.
É caso para dizer, a abertura de um processo de revisão constitucional neste dealbar da Sessão legislativa, não é só inoportunidade política, é também desgraduação e desrespeito pela eleição presidencial que se avizinha.
E, sublinhe-se, muitos e prestigiados constitucionalistas não se inibiram de falar alto e bom som contra a imperícia temporal de Passos Coelho. Verdade é que o líder do PSD assobiou para o ar e tapou as orelhas.
Só pode haver uma razão, algum “spin” convenceu o presidente do PSD de que um processo de revisão constitucional, sobreposto à discussão do Orçamento, e nas vésperas de presidenciais, lhe daria margem de manobra para atentar contra os fundamentos do estado social inscritos na Constituição e ter eventual “ganho de causa”, usando a revisão como baixa manobra de pressão sobre o voto de viabilização do Orçamento.
Passos Coelho está equivocado. Como as sondagens vêm dizendo, a primeira parte da manobra correu demasiado mal ao líder do PSD. Os limitados recuos que foi fazendo não chegam para inverter a posição de princípio do PS em matéria de relações laborais, de educação e saúde pública.
Ou seja, o PS pode discutir tudo, pode até apresentar propostas, mas não cederá em matéria de estado social, nem mesmo com o propalado pretexto da crise internacional.
E que fique claro, tudo fará para que as atenções do povo português fiquem concentradas no debate do Orçamento, atenta a sua importância para a consolidação orçamental e para a defesa de medidas que propiciem mais crescimento económico, do mesmo modo que não permitirá que se desvalorize a peleja presidencial, sempre em nome dos interesses de Portugal e dos portugueses.

(publicado no Jornal de Leira de 16 de Setembro de 2010)

2 comentários:

Bettencourt de Lima disse...

Com um torção violento


É muito difícil fazer vingar um novo partido em Portugal. O espaço está, até certo ponto, preenchido e os votantes ou mudam de sentido de voto ou desistem. Raramente se fixam em novas formações. Por isso,
pessoas que «cresceram politicamente» à sombra do PSD, agora, firmada a respeitabilidade e carteira, pretendem, com um torção violento, de guinada em guinada remetê-lo para a direita do CDS, espaço que julgam mais conforme com o seu actual «estatuto». A forma como se esgueiram para a redoma dos «barões» e das «elites» faz prenunciar um total desrespeito por aqueles que neste partido têm votado.
A queda abrupta nas intenções de voto assustou-os e, vai daí, o discurso resvalou rapidamente para a incoerência, afirmando tudo e o seu contrário. Instalou-se, todavia, a desconfiança entre as bases e já se pensa em Rui Rio. A máquina trituradora de «líderes» destroçará os que ignorarem ou subverterem a matriz ideológica que o fez crescer?

Com um torção violento

Carta a Garcia disse...

Meu Caro Bettencout de Lima,

O seu "torção violento" é uma análise muito assertiva do que se vai passando no PSD...
Também admito que ainda chegarão aos tempos do Rui Rio...
Passos Coelho está a descontrolar com a queda nas sondagens...
Saudações,
OC