domingo, 17 de abril de 2011

Crise Académica, Coimbra 1969


Por isso te conto… (a propósito do 17 de Abril de 1969)

Eram tempos diferentes.

Imagino mesmo que a um jovem universitário dos dias de hoje possa parecer um tanto estranho o sacrifício, o empenhamento militante e a ilimitada solidariedade dos jovens que viveram e participaram nas lutas do movimento associativo estudantil no longínquo ano de 1969. Tínhamos então, os mesmos vinte anos que tu tens hoje. E a nossa coragem, -têm dito e escrito por aí que fomos uma “ geração de coragem”-não era mais nem diferente da dos jovens de hoje.

Sim, eram tempos diferentes. A liberdade estava ainda com cinco anos de atraso. O país sangrava numa guerra colonial que matava e estropiava jovens da tua idade. A liberdade de palavra e de opinião era garrotada pela censura prévia dos jornais ou ponto de partida para a cadeia. Delitos de opinião, dirás. Sim, de facto. Mas assim se proibiam e apreendiam livros, jornais, filmes e peças de teatro. Os partidos políticos estavam ilegalizados, o direito de manifestação era jugulado pelo autoritarismo fascista e brutalmente reprimido pelas forças policiais.

Por isso te conto… Em 17 de Abril de 1969 não tivemos alternativa. Era a dignidade de uma geração e a honra da Associação Académica de Coimbra contra o opróbrio dos serventuários do regime. De um lado, a cabeça erguida das raparigas e rapazes de 20 anos que lutavam pelo direito de ter voz e usá-la, do outro a visão canhestra das cabeças baixas vergadas pelo peso do cacete da vergonha. De um lado, a Universidade, alunos e professores numa entrelaçada maioria solidária, do outro o despudor sem norte de um regime entrincheirado na repressão e na mentira.

Por isso te conto… Coimbra foi uma cidade sitiada durante meses, mas os teus colegas de então transformaram-na no baluarte da resistência juvenil e inundaram-na da alegria criativa que só jovens de vinte anos sabem inventar. A greve às aulas com ocupação das faculdades, a corajosa greve a exames, a prisão de centenas de rapazes e raparigas, o encerramento da universidade e da AAC ou a incorporação compulsiva de 49 dirigentes estudantis nas fileiras do exército colonial, são apenas factos que substanciam o ardor de uma luta juvenil e que pontuam a negro a indómita repressão que se abateu sobre os estudantes de Coimbra. Era a honra associativa que estava em causa. Optámos por fazer dela bandeira académica, sabíamos das consequências e assumimos a sua inevitabilidade.

Mas disso já te terão contado… E, provavelmente, também saberás que os sicários do regime autoritário viriam a ter de recuar em toda a linha nas medidas repressivas aplicadas. A dignidade e a honra estudantis ficaram intocadas e os estudantes de Coimbra viriam a encontrar nos canos das espingardas do 25 de Abril as mesmas flores que haviam distribuído à população da cidade nos alvores da greve a exames… (reedição)



Osvaldo Sarmento e Castro
(Vice-Presidente Direcção-Geral AAC-1969)

11 comentários:

folha seca disse...

Caro Osvaldo
Este texto é de fato uma republicação. Tambem comentei na altura. Não recordo o que te disse.
Mas numa altura em que independentemente da actividade politica que se tem ou não, os homens se afirmam pela sua honestidade pessoal, moral e politica nunca é demais reconhecer o quanto para nós é importante ter privado com homens como tu.
Obrigado pelo que me ensinaste.
Obrigado pela tua amizade.
Obrigado pela tua dedicação à luta pela liberdade.
Um grande Abraço.
Rodrigo Henriques

Ana Brito disse...

Querido Amigo Osvaldo
Obrigada...brilhante texto...que me sensibiliza profundamente...
Foram tempos dignificantes para os Estudantes de Coimbra e é por causa de tempos como estes que hoje podemos dizer que para a Liberdade e Democracia do País a Capa e a Batina dos estudantes também deu o seu contributo.
Relembro os amigos Orlando de Carvalho e Paulo Quintela que colocaram em perigo os seus lugares de professores e estiveram, incondicionalmente, ao vosso lado.
Saúdo-vos a todos e em especial o Vice-Presidente da Direcção da AAC - 1969...
Grande Abraço com Amizade...por Coimbra e pelo País de Abril...pela luta de sempre...
Ana Parracho Brito

Ana Paula Fitas disse...

Caro Osvaldo,
Cabe-me agradecer-lhe a republicação deste teto que é, mais do que isso, uma "peça" literária da história política contemporânea portuguesa, cujo significado continua, cada vez mais (e por estranho que pareça!)actual - como poderá constatar através do link que faço, hoje, no Leituras Cruzadas.
Um grande abraço.

folha seca disse...

Caro Osvaldo
Desculpa o surripianço, mas nunca é demais relembrar momentos marcantes na luta pela Liberdade.
Fiz link para o "folha seca"
Abraço

Carta a Garcia disse...

Meu Caro Folha Seca(R.Henriques),

Por favor não me deixes embaraçado com as tuas palavras tão Amigas...
Eu fui um entre muitos e a quem mandataram para exercer cargos de direção na luta académica...Penso ter cumprido o meu dever cívico, ao lado de milhares de jovens, raparigas e rapazes, que arrostaram contra o fascismo, contra a guerra colonial e pela Liberdade e Democracia...
Abraço de gratidão pela tua Amizade!
Osvaldo Castro

Carta a Garcia disse...

Cara Ana Brito,
Permita-me dar por reproduzido o que escrevi em resposta ao Folha Seca.
Sim,relembro com saudade também muitos desses professores, designadamente os que citou.
Aliás, neste mesmo blogue,no dia 17de Abril do ano passado salientei um conjunto diversificado dos mais importantes estudantes e professores nesse combate da Crise Académica.
Um Abraço pela S/ Amizade,
Osvaldo Castro

Carta a Garcia disse...

Cara Ana Paula e Folha Seca,

Obrigado pelas referências que fazem ao post e reitero os meus agradecimentos pelas palavras afectuosas e, prouvéra, imerecidas.
Abraço a ambos,
OC

folha seca disse...

Caro Osvaldo
Desculpa voltar à carga.
Como sabes tenho um grande respeito por aqueles que deram a cara e enfrentaram a repressão fascista. Independentemente das posições políticas que hoje têm, houve homens que puseram a sua vida e liberdade em perigo. Sei o quanto a tua vida foi alterada pela tua ousadia. a tua carreira universitária foi interrompida pela incorporação compulsiva no exército, só sendo retomada muito mais tarde dado a tua entrega à luta pela consolidação do 25 de Abril.
Em tempos em que a gratidão é uma palavra quase esquecida, nunca é demais lembrar que Abril aconteceu porque muitas mulheres e homens como tu enfrentaram com coragem e abnegação o regime obscurantista.
Obrigado por isso.
Abraço
Rodrigo

Carta a Garcia disse...

Caro Rodrigo Henriques,

És um grande Amigo, as tuas palavras são mais que imerecidas...tu que descendes de uma família de vidreiros lutadores e que foste, desde criança até aos 20 anos, um vidreiro da primeira fila na luta da Marinha Grande,sabes bem que aqui, como noutros sítios do país, foram muitos os que sofreram heroicamente na luta pela liberdade e pela democracia...
Não me podes comparar com tais heróis.
Um Abraço de grande estima e amizade.
Osvaldo Castro

A.R. disse...

É preciso não apagar a memória. Excelente texto. Com admiração.

Carta a Garcia disse...

Caro A.R.

Um abraço muito grato pelas S/ palavras...Os estudantes da S/ universidade também tiveram um papel de vulto no movimento estudantil, designadamente desde os épicos anos da Crise de 1962...
Sim, é preciso não apagar a memória!
OC