Há registo, em todos os Códigos Penais, de incriminações que quase nunca são accionadas. São normas adormecidas em períodos de estabilidade, que sinalizam a importância de certos interesses vitais. Incluem-se nesse âmbito crimes como a "Traição à Pátria" ou o agora muito citado "Atentado contra o Estado de Direito".
Tais incriminações integram-se num Direito Penal Político, através do qual o Estado se protege a si mesmo, na sua organização interna. Não estão directamente em causa as regras básicas de suporte da comunidade, como acontece nos homicídios, ofensas corporais, furtos, roubos, burlas, sequestros ou violações.
Este Direito Penal Político pretende salvaguardar o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido, preservando as instituições democráticas e os direitos, liberdades e garantias fundamentais. Constitui uma garantia externa – de natureza judicial – de autonomia da esfera de actividade política.
A incriminação do atentado contra o Estado de Direito visa impedir tentativas de destruir, alterar ou subverter o Estado de Direito Democrático. Estão em causa condutas que põem em causa, por exemplo, a separação e a interdependência de poderes ou a representatividade democrática.
As condutas que consubstanciam o crime podem ser atentatórias, nomeadamente, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas o crime não consiste em violar os direitos de determinadas pessoas, concretamente consideradas, mas antes em pôr em causa a vigência ou a validade geral desses direitos.
O atentado contra o Estado de Direito tem de ser exteriorizado através de factos adequados a pôr em causa o interesse protegido. Não basta um plano conspirativo que não se concretize em actividade. E tem de haver dolo, ilustrado por razões e circunstâncias que revelem a vontade de afectar o Estado de Direito.
A comprovação dos indícios probatórios tem de ser isenta e despida de preconceitos ou pré-compreensões. O julgador deve ter presente o contexto factual, numa perspectiva histórica e cultural. A conduta há-de ser reconhecível como crime e não apenas como violação de regras éticas ou políticas.
A tarefa de qualificar um certo comportamento como atentado contra o Estado de Direito não é, por força dos princípios e normas do próprio Estado de Direito, matéria de sondagem, opinião política ou desejo pessoal. Exige um apurado sentido de Justiça, firme serenidade pessoal e um saber profundo.
Como norma adormecida, a incriminação do atentado contra o Estado de Direito só pode ser "acordada" por factos muito graves que o justifiquem. Accionar normas deste tipo é, para o bem e para o mal, mudar o curso da história. Essa é uma responsabilidade primária dos magistrados que se reflecte em toda a comunidade.
(publicado em 14/2/010, no Correio da Manhã)
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Tais incriminações integram-se num Direito Penal Político, através do qual o Estado se protege a si mesmo, na sua organização interna. Não estão directamente em causa as regras básicas de suporte da comunidade, como acontece nos homicídios, ofensas corporais, furtos, roubos, burlas, sequestros ou violações.
Este Direito Penal Político pretende salvaguardar o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido, preservando as instituições democráticas e os direitos, liberdades e garantias fundamentais. Constitui uma garantia externa – de natureza judicial – de autonomia da esfera de actividade política.
A incriminação do atentado contra o Estado de Direito visa impedir tentativas de destruir, alterar ou subverter o Estado de Direito Democrático. Estão em causa condutas que põem em causa, por exemplo, a separação e a interdependência de poderes ou a representatividade democrática.
As condutas que consubstanciam o crime podem ser atentatórias, nomeadamente, dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas o crime não consiste em violar os direitos de determinadas pessoas, concretamente consideradas, mas antes em pôr em causa a vigência ou a validade geral desses direitos.
O atentado contra o Estado de Direito tem de ser exteriorizado através de factos adequados a pôr em causa o interesse protegido. Não basta um plano conspirativo que não se concretize em actividade. E tem de haver dolo, ilustrado por razões e circunstâncias que revelem a vontade de afectar o Estado de Direito.
A comprovação dos indícios probatórios tem de ser isenta e despida de preconceitos ou pré-compreensões. O julgador deve ter presente o contexto factual, numa perspectiva histórica e cultural. A conduta há-de ser reconhecível como crime e não apenas como violação de regras éticas ou políticas.
A tarefa de qualificar um certo comportamento como atentado contra o Estado de Direito não é, por força dos princípios e normas do próprio Estado de Direito, matéria de sondagem, opinião política ou desejo pessoal. Exige um apurado sentido de Justiça, firme serenidade pessoal e um saber profundo.
Como norma adormecida, a incriminação do atentado contra o Estado de Direito só pode ser "acordada" por factos muito graves que o justifiquem. Accionar normas deste tipo é, para o bem e para o mal, mudar o curso da história. Essa é uma responsabilidade primária dos magistrados que se reflecte em toda a comunidade.
(publicado em 14/2/010, no Correio da Manhã)
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
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