sábado, 11 de dezembro de 2010

"O Abraço", ou das palavras na luta contra a pobreza e pelos Direitos Humanos

"...Reunimo-nos hoje, neste dia 10 de Dezembro – data em que foi assinada, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem – para mais uma vez assinalar o Dia Nacional dos Direitos Humanos.

Esta é, de facto, uma data memorável, um marco digno de celebração que anualmente nos traz ao Salão Nobre desta Assembleia da República para evocar o que há 62 anos, num dia de esperança, se instituiu para sempre – uma carta universal de Direitos Humanos, um tratado fundador do respeito por todos os habitantes do Planeta e pela sua dignidade.

É, portanto, este o dia em que procuramos verificar em que medida somos, ainda e sempre, guiados pelos 30 artigos que em 1948 foram erigidos em princípios basilares do respeito pela vida humana e em que reconhecemos publicamente o mérito daqueles que, apesar de todas as contrariedades enfrentadas, com força e firmeza de carácter, persistiram e persistem na sua defesa.

E é neste dia, no primeiro ano de uma década que se iniciou indiscutivelmente sob o signo da crise e da escassez e em que, para choque de tantos, muito do que se julgava permanente e adquirido soçobrou, que precisamos de fortalecer os laços de solidariedade, de reforçar a entreajuda, de dar inequívocos sinais de esperança. No fundo, é num tempo de crise – no meio da grande depressão do século XXI – que precisamos de revisitar o ideário que esteve na génese dos Direitos Humanos e de reafirmar, antes de mais, a liberdade.

Mas a liberdade plena, a liberdade que é um direito conquistado por anos de prisão e por muitas vidas perdidas, a liberdade, que não é nunca um privilégio oferecido por quem, momentaneamente, ocupa uma posição de aparente poder, implica condições de vida dignas e humanas. Implica dignidade. E somos nós, os que temos o privilégio de ser livres, que temos de dizer sem tibiezas que a liberdade só pode ser exercida por quem tem o mínimo de condições de subsistência para se alimentar, para se aquecer, para se vestir ou para se tratar. No fundo, só é livre quem está certo de conseguir firmar-se na independência económica e estribar-se na autodeterminação individual.

É necessário, portanto, recordar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma peremptoriamente que “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para (…) assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica (…)” [artigo 25.º, n.º 1, da DUDH].

É preciso realmente compreender que a falta de recursos capazes de assegurar um nível de vida digno a todo o ser humano viola o Direito Humano à liberdade.

É forçoso, então, reconquistar a liberdade não só à tirania política e ao despotismo organizado de Estados, grupos e forças – é também por isso que desta tribuna se lamenta que o Prémio Nobel da Paz, Liu Xiaobo, não possa estar hoje presente em Oslo a receber o merecido Prémio, por estar preso às ordens das autoridades chinesas, do mesmo modo, que continuamos a temer que não se confirme o frémito libertador que ontem percorreu o mundo em relação à iraniana Sakineh Ashtiani –, mas, dizia, é forçoso reconquistar a liberdade também à pobreza.
Sim, à pobreza. Que, em pleno século XXI, continua a alastrar por todos os continentes e sociedades como uma pandemia mortal, encontrando a cada dia novas vítimas, contagiando-se com a rapidez de um simples olhar para o lado e instalando-se confortavelmente na cobardia da nossa indiferença.

A pobreza – e todos os seus sintomas, como a exclusão social, as desigualdades, o desemprego ou o emprego sem direitos – alimenta-se única e exclusivamente da indiferença, do egoísmo e da ganância. E combate-se, ou pode combater-se, todos os dias, com solidariedade, com vontade e com esperança.

É, por isso, um excelente sinal que este ano de 2010, um ano difícil, vivido quase sempre à beira de precipícios, com muitas privações sentidas e outras tantas anunciadas, se tenha iniciado e continue a decorrer sob a égide do combate à pobreza e à exclusão social.

É em momentos como este, em que o caminho se torna perigoso e acidentado, que devemos cerrar fileiras e unir os imperativos políticos e morais de quem é eleito para representar os cidadãos aos de toda a sociedade civil.

Foi nesse sentido – cientes de que na Europa há cerca de 85 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza e de que apenas nos dois últimos anos mais de 6 milhões de pessoas perderam os seus empregos – que o Parlamento Europeu e o Conselho declararam 2010 o “Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social”, desde logo reconhecendo o direito fundamental de as pessoas em situação de pobreza e exclusão social viverem com dignidade e participarem activamente na sociedade.

A Europa dá, assim, um sinal claro de que é um continente de Direitos Humanos, de democracia e liberdade. Um espaço de cidadãos, de liberdade, segurança e justiça, um berço de inclusão e não apenas uma união económica e monetária, mercantilista, desumana e tecnocrata. A União Europeia é, afinal, mais do que o Euro, como continua a provar com a inclusão no Tratado de Lisboa de uma “cláusula social transversal”, uma verdadeira “lei-travão” de todas as políticas e acções que não tenham em conta a protecção dos direitos económicos e sociais.

Vale por dizer, a promoção do emprego, a garantia de uma protecção social adequada, a luta contra a exclusão social e um nível elevado de educação, formação e protecção da saúde humana....
A Europa é muito e pode ser muito mais, mas não será nada se permitir que cresça no seu seio um espaço de proliferação de pobreza..."


(excertos da intervenção que produzi, na qualidade de presidente do Júri e de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Cerimónia da Atribuição do Prémio de Direitos Humanos e das Medalhas do Cinquentenário, realizada na Assembleia da República em 10 de Dezembro de 2010);

A gravura que serve de frontespício é da autoria de Armando Alves e tem a designação "Abraço" e integrava o convite da cerimónia a que se alude.


6 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro Osvaldo Castro,
Parabéns pelo extraordinário texto que produziu para discursar na cerimónia da AR no Dia Internacional dos Direitos Humanos! ... e muito, muito obrigado!
Farei link... naturalmente!
Com elevada estima e admiração, um abraço amigo.

Ana Brito disse...

Caro Amigo Osvaldo
Admiro-o e congratulo-me pela sua extrema sensibilidade ao escrever este texto que marca a cerimónia da AR no dia Internacional dos Direitos Humanos.
Envolvo-me com Amizade no "Abraço".
Ana Brito

folha seca disse...

Caro Osvaldo
Apesar de um conjunto de circutâncias me levar a mostrar algum ceptcismo em relação a parte da classe política é claro que por muito mal que as coisas andem, não alinharei na ideia de que o problema são os políticos. Até que continuo a pensar que este ainda é "o melhor sistema..."
Ao ler este extratacto da tua intervenção, senti uma leve ponta de orgulho, por ser teu amigo e saber que é recíproco. Mas sobretudo que não é uma daquelas discursatas "encomendadas que hás vezes até saem em duplicado". meu caro eu sei que aquilo que escreveste e leste é da tua lavra.
Abraço

Carta a Garcia disse...

Cara Ana Paula Fitas,

Obrigado pelas S/ estimulantes palavras e agradeço as 3 referèncias que fez em link no post sobre direitos humanos.Uma vez mais estamos de acordo em questões centrais da vida humana.
Um sentido abraço de amizade pela estima que patenteia.
OC

Carta a Garcia disse...

Cara Ana Brito,

Agradeço reconhecido as suas palavras que tomo como reflexo da S/ Amizade.Fico grato pelo incentivo que sempre constituem para quem ,como eu, procura fazer o s/ trabalho parlamentar sem cair nas mãos determinantes da mediatização.
Abraço Amigo,
Oc

Carta a Garcia disse...

Caro Folha Seca, Creio já ter respondido num comentário anterior.
Reitero...tenho orgulho na tua Amizade e no modo frontal como a expões.Sabes que tens em mim um Amigo que admira todo o teu percurso de vida e a tua liberdade de pensamento.
Abraço,
OC