"De vez em quando, qualquer pessoa sem formação jurídica resolve atribuir às nossas leis penais a responsabilidade por um suposto aumento da criminalidade, sem referir dados concretos ou datas precisas. A nova lei só poderá ser o Código de Processo Penal, já que, no âmbito do Código Penal, a reforma de 2007 se limitou a criar novos crimes, como o tráfico de pessoas e a violência doméstica, e a agravar várias penas de crimes anteriormente previstos.
Ainda não se dispõe de dados referentes a 2009 e as polícias anunciaram mesmo uma tendência para a redução do número de crimes – incluindo os mais graves e violentos. Porém, continua a propalar-se um aumento da criminalidade. E esse pretenso aumento respeitaria a homicídios, violações e outros crimes especialmente graves, em relação aos quais não foram modificadas sequer as regras processuais de aplicação da prisão preventiva.
Por conseguinte, quem utiliza esse discurso negativo não sabe, verdadeiramente, do que está a falar. Aliás, algumas pessoas não fazem mais do que repetir, incessantemente, uma espécie de cassete. A sua falta de informação é manifesta. Ora, tal como seria absurdo que uma pessoa sem formação específica emitisse pareceres sobre Medicina, também não vejo que um leigo possa pronunciar-se validamente sobre a relação entre leis penais e criminalidade.
As coisas são diferentes quando se relata um determinado facto objectivo ou se assume, com total transparência, que se trata de uma mera opinião. Ideal seria, no entanto, que todos pudéssemos conhecer todas as áreas, numa espécie de democracia universal dos saberes, de que falava Carl Sagan. Mas, para se chegar a esse ponto, é necessário reconhecer, com Heidegger, que saber é, sobretudo, poder aprender e nunca opinar como uma cassete sem autonomia.
A cassete é tão exagerada que li que um suspeito de violações em série teria andado a estudar o Código Penal para se proteger. Se o fez, deve ter ficado bem desiludido. As leis penais têm alargado impiedosamente a violação desde 1998, orientando-se contra a velha jurisprudência dos "tempos em que não havia crimes". Agora, o crime de violação abrange o sexo oral e outros comportamentos que, por não criarem o perigo de gravidez, eram punidos muito mais levemente.
Ninguém pode ter um interesse genuíno em confundir tudo, gerando a incerteza e a insegurança na comunidade. Eu concluo que a "culpa" é da sociedade de massas, que não nos dá tempo para viver e tende a utilizar-nos como autómatos. Perante esse perigo, a única resposta é a dúvida metódica e a comprovação constante do que nos é dito. Em última instância, a solução mais drástica é a preconizada por Wittgenstein: ficar dez anos em silêncio por opção própria. "
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal (publicado no Correio da Manhã,21/3/2010)
Ainda não se dispõe de dados referentes a 2009 e as polícias anunciaram mesmo uma tendência para a redução do número de crimes – incluindo os mais graves e violentos. Porém, continua a propalar-se um aumento da criminalidade. E esse pretenso aumento respeitaria a homicídios, violações e outros crimes especialmente graves, em relação aos quais não foram modificadas sequer as regras processuais de aplicação da prisão preventiva.
Por conseguinte, quem utiliza esse discurso negativo não sabe, verdadeiramente, do que está a falar. Aliás, algumas pessoas não fazem mais do que repetir, incessantemente, uma espécie de cassete. A sua falta de informação é manifesta. Ora, tal como seria absurdo que uma pessoa sem formação específica emitisse pareceres sobre Medicina, também não vejo que um leigo possa pronunciar-se validamente sobre a relação entre leis penais e criminalidade.
As coisas são diferentes quando se relata um determinado facto objectivo ou se assume, com total transparência, que se trata de uma mera opinião. Ideal seria, no entanto, que todos pudéssemos conhecer todas as áreas, numa espécie de democracia universal dos saberes, de que falava Carl Sagan. Mas, para se chegar a esse ponto, é necessário reconhecer, com Heidegger, que saber é, sobretudo, poder aprender e nunca opinar como uma cassete sem autonomia.
A cassete é tão exagerada que li que um suspeito de violações em série teria andado a estudar o Código Penal para se proteger. Se o fez, deve ter ficado bem desiludido. As leis penais têm alargado impiedosamente a violação desde 1998, orientando-se contra a velha jurisprudência dos "tempos em que não havia crimes". Agora, o crime de violação abrange o sexo oral e outros comportamentos que, por não criarem o perigo de gravidez, eram punidos muito mais levemente.
Ninguém pode ter um interesse genuíno em confundir tudo, gerando a incerteza e a insegurança na comunidade. Eu concluo que a "culpa" é da sociedade de massas, que não nos dá tempo para viver e tende a utilizar-nos como autómatos. Perante esse perigo, a única resposta é a dúvida metódica e a comprovação constante do que nos é dito. Em última instância, a solução mais drástica é a preconizada por Wittgenstein: ficar dez anos em silêncio por opção própria. "
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal (publicado no Correio da Manhã,21/3/2010)
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