segunda-feira, 28 de maio de 2012

"Ameaça e coação",por Fernanda Palma

O Código Penal é invocado pela comunicação social, no dia--a-dia, a propósito de vários acontecimentos da vida política e social. Essas referências aumentam a consciência cívica e a cultura jurídica dos cidadãos, mas banalizam, por vezes, a importância do Direito Penal, cuja razão de ser é a proteção dos bens essenciais das pessoas e do Estado de Direito.
Um caso recente, por exemplo, suscitou dúvidas acerca do alcance dos crimes de ameaça e coação. Estas duas incriminações estão tipificadas nos artigos 153º e 154º do Código Penal, sendo evidente que o bem jurídico que se pretende defender, em ambos os casos, é a liberdade pessoal. Mas quais são, afinal, as condutas que se integram no âmbito destas incriminações?
Para o Código Penal só existe uma ameaça (punível com prisão até um ano), quando alguém "promete" praticar um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal ou sexual ou bens patrimoniais de valor elevado. E exige-se, ainda, que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a constranger a liberdade de determinação da vítima.
Para haver uma coação – crime mais grave, que não depende de queixa e é punível com prisão até três anos –, é necessário que o agente recorra à violência ou pratique uma ameaça grave: "ameaça com mal importante". A consumação deste crime requer que a vítima, constrangida, pratique uma certa ação ou omissão ou suporte determinada atividade.
Assim, para haver coação, não basta qualquer ameaça que inflija temor à vítima. A mera pressão psicológica não é uma coação criminosa e a ameaça tem de ser objetivamente apta a constranger a vontade da vítima, embora devamos ter em consideração as suas caraterísticas peculiares – incluindo os seus conflitos psicológicos, temores, fobias e afetos em geral.
Se a vítima, embora constrangida, não chegar a praticar ou suportar o comportamento que foi imposto pelo agente, haverá uma tentativa. Em geral, a tentativa só é punível no caso de crimes dolosos (não há "tentativa negligente"), puníveis com pena de prisão superior a três anos. Porém, no caso da coação, o Código Penal determina que a tentativa é punível.
Em suma, o crime de coação tem, na sua essência, uma manipulação apta e eficaz da liberdade de vontade de outra pessoa. Não se trata de uma conduta reprovável em termos meramente morais mas sim da manipulação de um bem jurídico essencial, que o artigo 26º da Constituição da República Portuguesa classifica como direito fundamental: a liberdade.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, com a devida vénia.Publicado no "Correio da Manhã" 

Sem comentários: