O triplo homicídio de Queluz patenteia uma violência crescente na sociedade portuguesa, que as estatísticas recentes têm comprovado. Devido a um conflito familiar, resultante de uma partilha de bens, um homem encarcerou a cunhada e a sobrinha, acompanhadas de "guarda-costas", no elevador de um prédio residencial, regou-o com combustível e ateou-lhe fogo.
O homem já tinha ameaçado as vítimas. Porém, depois de se entregar voluntariamente, procurou desculpar o seu tresloucado ato afirmando que apenas as quisera assustar. O problema jurídico que se coloca é saber se esta pretensa intenção de assustar as vítimas, que morreram carbonizadas, afasta o dolo de homicídio e atenua a responsabilidade penal do arguido.
Na verdade, existem vários exemplos históricos de situações em que o agente não tem nenhum desejo ou mesmo interesse na morte da vítima. Assim, no célebre caso dos mendigos que estropiavam crianças para melhor explorarem a caridade alheia, a morte de algumas das crianças não era desejada ou útil. Porém, era um efeito colateral da sua "indústria criminosa".
A lei e a doutrina penais não fazem depender a existência de dolo de homicídio – ou seja, do chamado homicídio voluntário – de desejos, crenças ou superstições. Atua com dolo quem sabe que irá, fatalmente, matar alguém, mesmo que não o "deseje". E age ainda com dolo (eventual) quem prevê a possibilidade de a vítima morrer e se conforma com ela.
A punição do homicídio doloso – com prisão até 25 anos nos casos mais graves – pressupõe a decisão de aceitar ou se conformar com a morte da vítima, em face de atos cujo significado não é escolhido livremente. Tal como um músico que segue a partitura, atribuímos aos nossos atos e às suas conexões causais o sentido que aprendemos a dar-lhes desde crianças.
Quem, estando consciente, põe em movimento meios tão perigosos, agindo cego quanto às consequências, não pode invocar, contra o pensamento de todos os outros e o seu próprio entendimento racional, que não previu ou desejou o desfecho fatal. Ao tribunal competirá apreciar o estado mental e as motivações do arguido para graduar a sua responsabilidade.
Seja como for, o caso do elevador deve servir como (mais um) alerta sobre o estado da sociedade portuguesa. Num contexto de ausência de cimento social e de valores humanos, tem crescido o número de homicídios. A resposta do sistema penal, com condenações justas e eficazes, é indispensável, mas tem de ser precedida de medidas sociais preventivas.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, a quem, com a devida vénia se agradece.Foi publicado no "Correio da Manhã".
1 comentário:
Que Fernanda Palma me desculpe, mas começo a achar descabida esta preocupação com o estado mental de asassinos!
Um dia destes , também por herança um tipo matou a mulher a tiro; um outro matou a irmã e feriu outra.
Está tudo insano?!
Por favor, só os arábes que realizam atenatdos é que estão sempre na posse de todas as suas faculdades mentais?
Quanto ao resto , estou perefietamente de acordo .
As minhas cordiais saudações.
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