domingo, 5 de agosto de 2012

"Escutas de políticos", por Fernanda Palma

O anúncio da possível revisão do regime de "escutas de políticos" aconselha a uma análise do seu conteúdo, origem e razão de ser. Análise que deve começar por uma advertência: esse regime só abrange o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro e não os deputados, membros do Governo e autarcas em geral.Mas de que regime se trata? O artigo 11º do Código de Processo Penal atribui ao Presidente do Supremo competência para "autorizar a interceção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro--Ministro e determinar a respetiva destruição". Esta norma foi aprovada em 2007, mas não teve origem nos trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal. Foi acordada diretamente no âmbito do Pacto de Justiça, celebrado em 2007 pelo PS e pelo PSD. O seu objetivo parece ser resguardar as conversações e comunicações dos mais altos dignitários do Estado, tendo em conta as suas funções e responsabilidades.A norma citada foi inovadora em relação à versão originária do Código de 1987? Só em parte, visto que o Código prevê, desde sempre, que o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro sejam julgados pelo pleno das secções criminais do Supremo e que o juiz de instrução pertença, obrigatoriamente, a uma dessas secções.Assim, se o Código retomasse a sua redação primitiva, as escutas do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro voltariam a ser autorizadas por um juiz do Supremo escolhido por sorteio e não pelo Presidente. O princípio do juiz natural prevaleceria sobre a presunção de maior responsabilidade do Presidente do Supremo.A esta alteração pontual poderia acrescer outra mais subtil mas não menos importante. No caso de escutas fortuitas aos referidos dignitários, no âmbito de processos em que são arguidas quaisquer outras pessoas, não seria necessária a intervenção de um juiz do Supremo, bastando que as escutas tivessem sido autorizadas pelo juiz do processo.Porém, a revogação do modelo instituído pelo Pacto de Justiça não sujeitaria ao regime geral das escutas os três principais dignitários do Estado. E nem a revogação do regime originário do Código conseguiria plenamente tal efeito, dado que a Constituição garante que o julgamento do Presidente da República e a instrução do processo decorrem no Supremo.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,a quem, com a devida vénia, se agradece. Foi também publicado no "Correio da Manhã".

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