No Reino Unido, pai e filha, Andrew Butler, de 46 anos, e Nicola Yates, de 26, foram denunciados por familiares e detidos pelo crime de incesto. Só se conheceram quando a filha já tinha 20 anos e são acusados de manter, desde então, uma relação sexual às escondidas. De acordo com o Direito Penal britânico, estão sujeitos a uma pena máxima de dois anos de prisão.
Este caso tem contornos invulgares e dignos de obra dramática. Pai e filha não estavam em erro, como os irmãos de ‘Os Maias’, mas eram estranhos um ao outro. Além disso, a filha não é considerada vítima de um crime, mas sim autora, tal como o pai. A incriminação não defende pois a liberdade sexual, mas antes uma concepção dominante de moral sexual.
E se fosse em Portugal? Ao contrário do que provavelmente pensa a maioria das pessoas, o nosso Direito Penal não prevê o incesto como um crime em si mesmo. Relações sexuais consentidas entre adultos não são criminalizadas, mesmo que entre eles haja uma relação de estreito parentesco. E já era assim nas Ordenações do Reino e nos Códigos do século XIX.
É importante notar, porém, que a lei portuguesa pune de forma agravada, aumentando em um terço os limites máximos e mínimos das penas, os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual praticados por ascendentes contra descendentes (e vice--versa). Entende-se que a relação familiar torna a vítima mais indefesa e sujeita ao crime.
Qual será a melhor solução em termos de política criminal? A solução tradicional portuguesa, que se baseia apenas na protecção da liberdade sexual da vítima e entende que relações sexuais consentidas entre adultos não merecem punição, ou a solução britânica, com manifesta ressonância ética e que, segundo o pensamento liberal, se filia ainda na tradição vitoriana?
Na linguagem penal, põe-se a questão de saber que "bem jurídico" merece e carece de protecção, tendo em conta a Constituição e a realidade social. A solução portuguesa não implica, aliás, a aceitação moral do incesto, mas apenas a perspectiva de que o Direito Penal só deve intervir onde existir uma ameaça contra direitos fundamentais ou bens essenciais.
Como pensava o filósofo Herbert Hart, a separação entre Direito e Moral permite à Moral fortalecer-se e não alivia as consciências do conflito moral a pretexto de que a lei tudo dita e resolve. Pretender que o Direito seja a única Moral dos nossos dias é pressupor que há uma concepção moral oficial e que compete ao Estado realizar não um mínimo mas um máximo ético.
Por: Maria Fernanda Palma,Professora Catedrática de direito penal(c/agradecimentos à Autora e ao CManhã)
Este caso tem contornos invulgares e dignos de obra dramática. Pai e filha não estavam em erro, como os irmãos de ‘Os Maias’, mas eram estranhos um ao outro. Além disso, a filha não é considerada vítima de um crime, mas sim autora, tal como o pai. A incriminação não defende pois a liberdade sexual, mas antes uma concepção dominante de moral sexual.
E se fosse em Portugal? Ao contrário do que provavelmente pensa a maioria das pessoas, o nosso Direito Penal não prevê o incesto como um crime em si mesmo. Relações sexuais consentidas entre adultos não são criminalizadas, mesmo que entre eles haja uma relação de estreito parentesco. E já era assim nas Ordenações do Reino e nos Códigos do século XIX.
É importante notar, porém, que a lei portuguesa pune de forma agravada, aumentando em um terço os limites máximos e mínimos das penas, os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual praticados por ascendentes contra descendentes (e vice--versa). Entende-se que a relação familiar torna a vítima mais indefesa e sujeita ao crime.
Qual será a melhor solução em termos de política criminal? A solução tradicional portuguesa, que se baseia apenas na protecção da liberdade sexual da vítima e entende que relações sexuais consentidas entre adultos não merecem punição, ou a solução britânica, com manifesta ressonância ética e que, segundo o pensamento liberal, se filia ainda na tradição vitoriana?
Na linguagem penal, põe-se a questão de saber que "bem jurídico" merece e carece de protecção, tendo em conta a Constituição e a realidade social. A solução portuguesa não implica, aliás, a aceitação moral do incesto, mas apenas a perspectiva de que o Direito Penal só deve intervir onde existir uma ameaça contra direitos fundamentais ou bens essenciais.
Como pensava o filósofo Herbert Hart, a separação entre Direito e Moral permite à Moral fortalecer-se e não alivia as consciências do conflito moral a pretexto de que a lei tudo dita e resolve. Pretender que o Direito seja a única Moral dos nossos dias é pressupor que há uma concepção moral oficial e que compete ao Estado realizar não um mínimo mas um máximo ético.
Por: Maria Fernanda Palma,Professora Catedrática de direito penal(c/agradecimentos à Autora e ao CManhã)
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