domingo, 17 de julho de 2011

"Rating" da Justiça, Fernanda Palma

A Justiça portuguesa pode ser sujeita a um rating, tal como a dívida soberana? A lógica dos ratings surgiu há uns anos como solução para tornar vários subsistemas sociais mais eficazes.
Ao natural controlo interno e à crítica política externa, tem sucedido uma lógica de avaliação das instituições e dos seus agentes de acordo com pretensos critérios técnicos.

Aconteceu assim na Educação, com ratings de escolas que não consideram contextos sociais ou desigualdades de oportunidades. Por vezes, as avaliações só deprimem os avaliados e não ajudam a superar problemas. No Ensino Superior, a avaliação foi atribuída a agências privadas externas, embora constituídas de acordo com certas exigências de objectividade.

O "eduquês" transformou as técnicas pedagógicas num objectivo em si mesmo, com uma relativa desvalorização dos conteúdos científicos. A formação e a certificação de formadores ou a avaliação dos avaliadores tornaram-se uma finalidade do ensino. Paradoxalmente, em vez de se promover a qualidade, favoreceu-se a nivelação por um padrão de mediania.

Nas célebres agências de rating da economia, a avaliação também se tornou soberana, ganhando a dimensão de negócio com possíveis contornos criminais. Numa linguagem funcionalista, as agências tornaram-se um subsistema a necessitar de intensa regulação e controlo, ou seja, de avaliação, exprimindo a complexidade das sociedades modernas.

A Justiça de uma sociedade não está, de igual modo, subtraída a uma avaliação feita segundo a lógica de mercado, isto é, de acordo com a confiança que as pessoas depositam no sistema judicial e nas suas decisões. Nesta perspectiva, os cidadãos deixarão de ser apenas fonte da Justiça ou seus destinatários, para se transformarem em "consumidores".

Deste modo, a própria constitucionalidade pode tornar-se um critério de validação do Direito conflituante com a avaliação feita segundo critérios de eficácia. A Constituição será então vista como um obstáculo obsoleto. Se a norma é desejada, aplaudida e considerada eficaz, mesmo que só pelo seu simbolismo, por que razão deveremos opor-lhe critérios de constitucionalidade?

A recente revisão da Constituição húngara exprime esta crise, ao limitar as competências do Tribunal Constitucional em matérias de orçamento e fiscalidade. Apesar de a Constituição estabelecer parâmetros como o limite do endividamento do Estado, a competência foi transferida para o Conselho do Orçamento, o que significa que deixou de haver controlo da constitucionalidade.


Maria Fernanda Palma, professora Catedrática de Direito Penal(c/vénia à autora e ao CManhã)

Sem comentários: