Tem sido aflorada, por vezes, a ideia de que a liberdade de informação justifica a divulgação pública de elementos obtidos de forma ilegal – por exemplo, através de escutas ilícitas. Assim, o trabalho sujo precedente, feito por outros, seria branqueado em nome de um interesse legítimo ulterior e numa lógica de aproveitamento virtuoso dos resultados do crime.
Apesar da autonomia das condutas e dos interesses em causa, não é aceitável que se crie um circuito de aproveitamento da actividade criminosa e um mercado para a devassa da vida privada. Foi isso que sucedeu no caso Murdoch, em que um jornal utilizou escutas privadas para explorar emoções e satisfazer o voyeurismo da vida íntima e da dor alheias.
Neste caso, o Código Penal português classifica como crime, no artigo 192º, quer a conduta de quem realizou as escutas quer a conduta de quem as divulgou. Não estaria em causa um interesse público legítimo e relevante que excluísse a punibilidade e a pena seria até agravada, nos termos do artigo 197º, por os crimes serem cometidos na comunicação social.
A legitimidade do interesse público depende da sua conexão com direitos ou bens da pessoa ou da sociedade e a sua relevância requer um juízo de ponderação que o ponha em confronto, caso a caso, com a reserva da vida privada. A prevenção criminal, a protecção civil ou a saúde pública, mas nunca a mera curiosidade, podem representar o interesse público.
É verdade que há um interesse crescente pelo espectáculo das emoções. Ao contrário das visões mais racionalistas, ele permite uma abordagem mais intuitiva do mundo e gera estímulos mais profundos para o agir social. A própria História tem-se debruçado sobre a vida privada, para completar o conhecimento do percurso humano e o sentido dos próprios acontecimentos.
Presentemente, as redes sociais da internet promovem também uma intensa partilha de emoções. No entanto, esse espaço público de conhecimento e divulgação de sentimentos não pode tornar cada pessoa um mero objecto da curiosidade das outras. Deve ser, ainda e sempre, um espaço de desenvolvimento pessoal, intercâmbio consentido e fruição conjunta.
Aquele cuja intimidade foi anulada deixa de poder definir-se, perante o outro, como sujeito de uma relação entre iguais. De certo modo, já não é reconhecido como pessoa. Desenvolver uma ética do respeito pela privacidade é contribuir para preservar uma sociedade livre. A própria liberdade de imprensa só é possível se coexistir com os outros direitos fundamentais.
Por: Maria Fernanda Palma, professora Catedática de direito penal(com vénia à Autora e ao CManhã)
Apesar da autonomia das condutas e dos interesses em causa, não é aceitável que se crie um circuito de aproveitamento da actividade criminosa e um mercado para a devassa da vida privada. Foi isso que sucedeu no caso Murdoch, em que um jornal utilizou escutas privadas para explorar emoções e satisfazer o voyeurismo da vida íntima e da dor alheias.
Neste caso, o Código Penal português classifica como crime, no artigo 192º, quer a conduta de quem realizou as escutas quer a conduta de quem as divulgou. Não estaria em causa um interesse público legítimo e relevante que excluísse a punibilidade e a pena seria até agravada, nos termos do artigo 197º, por os crimes serem cometidos na comunicação social.
A legitimidade do interesse público depende da sua conexão com direitos ou bens da pessoa ou da sociedade e a sua relevância requer um juízo de ponderação que o ponha em confronto, caso a caso, com a reserva da vida privada. A prevenção criminal, a protecção civil ou a saúde pública, mas nunca a mera curiosidade, podem representar o interesse público.
É verdade que há um interesse crescente pelo espectáculo das emoções. Ao contrário das visões mais racionalistas, ele permite uma abordagem mais intuitiva do mundo e gera estímulos mais profundos para o agir social. A própria História tem-se debruçado sobre a vida privada, para completar o conhecimento do percurso humano e o sentido dos próprios acontecimentos.
Presentemente, as redes sociais da internet promovem também uma intensa partilha de emoções. No entanto, esse espaço público de conhecimento e divulgação de sentimentos não pode tornar cada pessoa um mero objecto da curiosidade das outras. Deve ser, ainda e sempre, um espaço de desenvolvimento pessoal, intercâmbio consentido e fruição conjunta.
Aquele cuja intimidade foi anulada deixa de poder definir-se, perante o outro, como sujeito de uma relação entre iguais. De certo modo, já não é reconhecido como pessoa. Desenvolver uma ética do respeito pela privacidade é contribuir para preservar uma sociedade livre. A própria liberdade de imprensa só é possível se coexistir com os outros direitos fundamentais.
Por: Maria Fernanda Palma, professora Catedática de direito penal(com vénia à Autora e ao CManhã)
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