O Presidente da República requereu a fiscalização prévia da constitucionalidade da lei que prevê o crime de enriquecimento ilícito. Não se trata de mero aconselhamento. O Presidente só deve transferir para o Tribunal Constitucional o poder de impedir a entrada em vigor de uma lei quando entende, segundo uma argumentação coerente, que é inconstitucional.
O problema de constitucionalidade da lei resulta de o objeto da incriminação não serem ações ou omissões atribuídas ao agente, mas a suspeita de origem ilícita do enriquecimento. Está em causa a possibilidade de um facto ilícito ter criado um património desproporcionado quanto aos rendimentos conhecidos e cabe ao agente afastar a suspeita.
Há um crime sem ação ou omissão efetivas, o que viola a exigência de o Direito Penal assentar na verificação de factos objetivos, pondo em causa a segurança jurídica e o princípio da legalidade. A mesma lógica levaria a transformar em crime a mera possibilidade, baseada em argumentos plausíveis e não contraditados, de alguém ter matado outra pessoa.
Este problema associa-se à inversão do ónus da prova. No processo penal, por força da Constituição, vale a presunção de inocência e a dúvida favorece o arguido. Neste caso, o crime não se baseia num facto, mas na possibilidade de ele ter ocorrido no passado. Assim, a prova a cargo da acusação reduzir--se-ia a um juízo argumentativo acerca do passado.
É certo que a criação da possibilidade de um dano futuro pode constituir crime de perigo, como sucede na condução perigosa ou sob influência do álcool. Verifica-se aí a possibilidade de um evento futuro, que se demonstra a partir de leis de causalidade. Porém, neste outro caso, a possibilidade é apenas a expressão de ignorância e dúvida sobre o passado.
O que legitima um crime de perigo é a prevenção da ocorrência futura do dano (por exemplo, a morte ou uma ofensa corporal). Incriminar a possibilidade de o facto ilícito ter ocorrido antes é abrir a porta a um Direito Penal sem facto, em que o processo se satisfaria com suspeitas e a acusação pública poderia ser manipulada por interesses políticos ou privados.
Para defender interesses inerentes ao Estado de Direito democrático, é desejável e necessário impedir que atividades ilícitas difíceis de investigar gerem fortunas. Mas a criminalização depende da prévia criação do dever, a que se atribua relevância penal, de declarar e provar as fontes de rendimento, formulando-se a partir daí a ação e a omissão proibidas.
O problema de constitucionalidade da lei resulta de o objeto da incriminação não serem ações ou omissões atribuídas ao agente, mas a suspeita de origem ilícita do enriquecimento. Está em causa a possibilidade de um facto ilícito ter criado um património desproporcionado quanto aos rendimentos conhecidos e cabe ao agente afastar a suspeita.
Há um crime sem ação ou omissão efetivas, o que viola a exigência de o Direito Penal assentar na verificação de factos objetivos, pondo em causa a segurança jurídica e o princípio da legalidade. A mesma lógica levaria a transformar em crime a mera possibilidade, baseada em argumentos plausíveis e não contraditados, de alguém ter matado outra pessoa.
Este problema associa-se à inversão do ónus da prova. No processo penal, por força da Constituição, vale a presunção de inocência e a dúvida favorece o arguido. Neste caso, o crime não se baseia num facto, mas na possibilidade de ele ter ocorrido no passado. Assim, a prova a cargo da acusação reduzir--se-ia a um juízo argumentativo acerca do passado.
É certo que a criação da possibilidade de um dano futuro pode constituir crime de perigo, como sucede na condução perigosa ou sob influência do álcool. Verifica-se aí a possibilidade de um evento futuro, que se demonstra a partir de leis de causalidade. Porém, neste outro caso, a possibilidade é apenas a expressão de ignorância e dúvida sobre o passado.
O que legitima um crime de perigo é a prevenção da ocorrência futura do dano (por exemplo, a morte ou uma ofensa corporal). Incriminar a possibilidade de o facto ilícito ter ocorrido antes é abrir a porta a um Direito Penal sem facto, em que o processo se satisfaria com suspeitas e a acusação pública poderia ser manipulada por interesses políticos ou privados.
Para defender interesses inerentes ao Estado de Direito democrático, é desejável e necessário impedir que atividades ilícitas difíceis de investigar gerem fortunas. Mas a criminalização depende da prévia criação do dever, a que se atribua relevância penal, de declarar e provar as fontes de rendimento, formulando-se a partir daí a ação e a omissão proibidas.
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal, com a devida vénia.Publicado no "Correio da Manhã".
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