domingo, 4 de março de 2012

Emoções e crime,por Fernanda Palma

A justiça americana debate-se, presentemente, com dois relatórios psiquiátricos contraditórios acerca da questão da imputabilidade de Renato Seabra: um, apresentado pela defesa, pretende que ele não tinha capacidade mental para compreender o que fazia quando matou Carlos Castro; o outro, entregue pela procuradoria de Nova Iorque, sustenta o contrário.
Um tribunal português também pode ser confrontado com perícias contraditórias. Assim aconteceu no caso de Osso da Baleia, em 1987, quando um bancário de 38 anos matou sete pessoas, incluindo mulher e filha, sem explicação plausível. Mas é o tribunal que tem a última palavra sobre a imputabilidade, embora deva justificar a divergência quanto às perícias.
Uma responsabilidade penal que não ficcione a pessoa não pode prescindir de critérios de diferenciação entre as situações emocionais vividas pelos agentes. Ainda na semana passada a Faculdade de Direito de Lisboa organizou um colóquio internacional que versou sobre emoções e crime, promovendo um estimulante diálogo entre Ciência, Filosofia e Direito.
A Ciência investiga se os comportamentos são determinados por estados de consciência, que devem fornecer o substrato da responsabilidade ética e jurídica. Mas uma influência unilateral da neurociência no pensamento jurídico potencia o regresso à escola positiva, com prevalência de uma prevenção especial autoritária e sem esperança na regeneração.
O discurso científico tem questionado se é possível descrever como causal a relação entre consciência e ação. Várias experiências analisadas por Benjamin Libet põem em causa essa possibilidade, favorecendo a tese de os comportamentos ditos voluntários surgirem a partir de impulsos neuronais anteriores em milésimos de segundo aos estados de consciência.
Esta ideia suscita a dúvida sobre se o momento da consciência é determinante da ação ou apenas um acontecimento concomitante que se apropria dela. Assim, em casos como o homicídio de Carlos Castro, será muito importante saber se existiu o fenómeno a que chamamos consciência? E poderemos, aliás, concluí-lo a partir da história construída pela prova?
A invocação da consciência pode significar apenas que o agente pôs em movimento motivos e razões que não tiveram a oposição do respeito pela vida alheia. Resta saber, então, se o acusado ainda dispõe de argumentos para demonstrar que tal descontrolo tem a seu favor uma razão que mitiga a culpa. Por isso, ele terá de ser ouvido antes do julgamento definitivo.

Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,com a devida vénia.Publicado no Correio da Manhã.

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