domingo, 3 de junho de 2012

"Levantando o segredo", por Fernanda Palma


 Em que condições pode alguém ser obrigado a prestar depoimento sobre factos incluídos no âmbito do segredo profissional? Em geral, a violação deste segredo é punível com prisão até um ano. Porém, um tribunal (em regra, uma Relação) pode determinar o seu levantamento quando considerar preponderante o interesse que é satisfeito pela revelação dos factos.
O tribunal tem de confrontar os interesses acautelados pelo segredo com os interesses realizados através do depoimento, tendo em conta, nomeadamente, a sua imprescindibilidade para a descoberta da verdade, a gravidade do crime investigado e a necessidade de proteger os bens jurídicos. Antes de decidir, ouve o organismo representativo da profissão.
Perante o segredo religioso, não procede esta ponderação. Atendendo ao valor constitucional da liberdade religiosa, em caso algum pode um ministro religioso ser obrigado a depor, por exemplo, sobre factos de que se inteirou em confissão. No entanto, o ministro religioso pode decidir depor, violando apenas, porventura, os seus deveres morais e religiosos.
Sendo invocado o segredo de Estado, a lei prevê a confirmação, no prazo de 30 dias, pelo Ministro da Justiça. No caso dos Serviços de Informações, há lei especial que determina que é ao Primeiro-Ministro que compete confirmar o segredo de Estado. Não havendo confirmação, a testemunha que invoca o segredo é obrigada a depor, sob pena de desobediência.
Tratando-se de arguido, coloca-se outra questão. O arguido beneficia do direito ao silêncio e não pode ser obrigado a depor. Para ele, a não confirmação apenas terá a virtualidade de afastar o crime de violação de segredo de Estado, que, de todo o modo, requer sempre um perigo para a independência, unidade, integridade ou segurança interna ou externa do Estado.
A questão mais complexa que se coloca, no caso do segredo de Estado, é saber se o poder executivo tem mesmo a última palavra e os tribunais nunca podem exigir o seu levantamento quando uma testemunha o invoque e ele seja confirmado nos termos referidos. Será um tal regime compatível com a separação de poderes e a reserva da função jurisdicional?
A decisão sobre se a segurança se sobrepõe aos direitos do arguido ou de terceiros tem em conta uma avaliação política mas é, em última análise, uma questão de justiça. E no caso de alguém decidir violar o segredo de Estado invocando um interesse prevalecente, os tribunais terão sempre margem para avaliar a existência de uma causa de justificação.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,com a devida vénia. Publicado no "Correio da Manhã"

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