Quando pensamos com angústia nos crimes praticados em Denver, na estreia do último filme da saga Batman, questionamos o significado da identificação do suspeito com o Joker. Sabemos que ambas as personagens de banda desenhada são inviáveis e desumanas: Batman tem poderes ilimitados para defender o bem; o Joker é absoluta e caricaturalmente mau.
Quem não consiga imitar Batman – e ninguém o consegue – pode ser tentado, doentiamente, a imitar o Joker. O Joker aproxima-se daquele mal radical que Kant concebia como o reverso do bem absoluto. Ele pretende ser o criminoso em estado puro, procurando o mal pelo mal. Porém, não consegue ser convincente nessa procura e revela-se infantil, frágil e ridículo.
No caso dos homicídios de Oslo, o primeiro-ministro norueguês mostrou bem que nada mudou na cultura do seu país, apesar da devastação do mal e da dor da comunidade. O primeiro aniversário desses crimes hediondos foi celebrado como dia da memória das vítimas e do triunfo do modo de vida livre e tolerante, que o assassino, Anders Breivik, quis pôr em causa.
O assumido Joker norte-americano, James Holmes, um doutorando em neurociência de 24 anos, também não tem o mundo a seus pés, apesar dos doze homicídios de homens, mulheres e crianças. Ele só chama a atenção para o efeito que certas metáforas podem exercer em mentes perturbadas, enquanto pergunta aos guardas prisionais o final do filme que o inspirou.
É pertinente citar, a este propósito, o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers, que via na loucura um modo específico de absorver os quadros culturais de cada época. Se não tivesse encarnado o Joker, o assassino de Denver teria recorrido a qualquer outra personagem para dar uma justificação estética ao mal que praticou e o tornar aceitável aos seus próprios olhos.
A necessidade de encenação revela que o mal se horroriza consigo mesmo. Por isso, surge associado a expressões artísticas. No ‘Triunfo da vontade’, que prenunciou os horrores do nazismo, Hitler emerge de uma coreografia impressionante ao som do ‘Rienzi’, de Wagner. Na ‘Laranja mecânica’, Alex congemina as piores patifarias ouvindo a nona de Beethoven.
O bem é mais discreto mas muito mais eficaz do que o mal. Personalidades marcantes do século XX como Gandhi, Martin Luther King, Mandela ou Madre Teresa de Calcutá deixaram--nos uma herança inalienável de humanidade e amor pela paz. Em tempos de crise, o mal é o que nos impede de agir e permite que seja um Joker a decidir o nosso destino.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,a quem, com a devida vénia, se agradece.Foi também publicado no "Correio da Manhã".
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