Muitas pessoas se interrogam acerca da razão que levou o Tribunal Constitucional a não atribuir eficácia imediata à sua recente declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios aos funcionários públicos e aos pensionistas. A situação é incompreensível sobretudo para não juristas, que consideram que a declaração se torna, assim, inconsequente.
As declarações de inconstitucionalidade são proferidas a requerimento do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, do Provedor de Justiça, do Procurador-Geral da República ou de um décimo dos Deputados. Cada declaração tem força obrigatória geral e "varre" a norma inconstitucional, como se não tivesse vigorado.
Mas a Constituição ressalva, em geral, os casos julgados e autoriza o Tribunal Constitucional a restringir os efeitos da declaração por "razões de equidade ou interesse público de excecional relevo". Este mecanismo permite confrontar os prejuízos resultantes da aplicação das normas inconstitucionais com os danos provocados pela destruição dos efeitos já produzidos.
No caso vertente, poder-se-á pensar que a restrição abrange efeitos ainda não produzidos, o que seria inédito e ultrapassaria a já referida lógica de ponderação. No entanto, em matéria de leis orçamentais, é duvidoso que os efeitos ainda não esgotados materialmente se devam considerar não produzidos, pois integram uma planificação unitária e coerente.
O Orçamento para 2012 foi o instrumento técnico para o cumprimento dos objetivos de política económica e financeira que os Governos acordaram com a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Assim, há razões para entender que os efeitos já estariam consolidados e que a sua afetação produziria uma onda de danos.
De todo o modo, a restrição de efeitos não ilustra uma constitucionalidade a prazo, mas uma verdadeira inconstitucionalidade suspensa. E a declaração assentou numa rejeição clara e consensual de critérios discriminatórios – tanto de funcionários como de pensionistas, relativamente aos quais não vale o argumento da "estabilidade de emprego".
Contra os que aceitam a ideia de sermos hoje um protetorado, o Tribunal Constitucional provou que é possível ainda afirmar a nossa soberania através do Direito, com respeito pelos critérios democráticos. Como tenho dito repetidamente, só uma cultura de constitucionalidade nos permitirá manter o estatuto de Estado soberano nos difíceis tempos que correm.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,a quem, com a devida vénia se agradece.Foi publicado no "Correio da Manhã".
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