domingo, 8 de julho de 2012

"Reformas e Subsídios",por Fernanda Palma


Quando os funcionários públicos (ou "trabalhadores em funções públicas") e os pensionistas sentiram na pele os cortes nos vencimentos e subsídios, só puderam invocar a Constituição. Esperaram, assim, que o Tribunal Constitucional se assumisse como guardião dos critérios de Justiça – o que não significa que lhe caiba tomar decisões sobre política económica.
A jurisprudência constitucional tem confrontado sempre a leitura dos princípios e das normas constitucionais com os problemas concretos e desenvolve um diálogo hermenêutico entre o texto da Constituição e a realidade histórica. O Tribunal Constitucional nunca deixou de se pautar por esses parâmetros, independentemente do mérito das suas decisões.
No âmbito da decisão tomada sobre a redução das remunerações (Acórdão nº 396/2011), o Tribunal Constitucional fixou duas exigências que não podem ser escondidas "debaixo do tapete". A redução só seria compatível com a Constituição se obedecesse a critérios de necessidade e igualdade na distribuição dos sacrifícios e possuísse um caráter temporário.
Tais critérios pressupõem um estado de exceção e obrigaram os governos a alterar o discurso político, convertendo a "supressão" em "suspensão" das prestações remuneratórias. Por outro lado, colocam um travão à perigosa "criatividade" de uma política financeira que tende a sacrificar quaisquer direitos ao objetivo supremo da redução do défice público.
O Tribunal Constitucional enfrentou agora, no plano da fiscalização abstrata sucessiva (e é pena que não o tenha podido fazer em sede de fiscalização preventiva), a questão da constitucionalidade dos cortes dos subsídios de férias e de Natal nos vencimentos dos funcionários públicos e em todas as pensões (tanto do setor público como do setor privado).
O Tribunal não caiu no erro de "lavar as mãos", a pretexto de não lhe caber avaliar a política económica. E compreendeu que a sua decisão anterior, de admitir o corte excecional de parte dos vencimentos dos funcionários, não poderia ser levada a sério se, cumulativamente, aceitasse agora o corte discriminatório, integral e duradouro de outras prestações.
Perante este caso tão difícil, pedia-se aos juízes constitucionais que fossem hercúleos em independência, coragem e sabedoria. Numa decisão fundamentada na igualdade e aprovada com apenas três votos de vencido, os juízes comprovaram a sua honorabilidade, a dignidade do Tribunal Constitucional e o acerto do nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade.
Por:Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal,a quem, com a devida vénia se agradece.Publicado no "Correio da Manhã"

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