domingo, 9 de outubro de 2011

"Trânsito em julgado",por Fernanda Palma

9 de Outubro de 2011

O efeito suspensivo dos recursos e o trânsito em julgado das sentenças têm sido debatidos a propósito da detenção e da libertação recentes do arguido num processo "mediático". Se, por vezes, a exposição de vítimas e arguidos parece excessiva, a comunicação social pode ter uma função pedagógica ao tornar acessíveis, ao cidadão comum, os conceitos jurídicos.

O arguido pode ser privado da liberdade ainda antes da condenação, por força da aplicação de uma medida de coacção – prisão preventiva ou "domiciliária". Porém, a aplicação dessas medidas não tem um fim punitivo. Elas destinam-se, nomeadamente, a evitar a continuação da actividade criminosa ou a fuga do arguido, que continua a presumir-se inocente.

A execução da pena só tem lugar após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, depois de terem sido apreciados os eventuais recursos. Em regra, no processo penal, os recursos de decisões finais condenatórias têm efeito suspensivo do processo, o mesmo sucedendo com os recursos de que dependa a validade ou a eficácia dos actos subsequentes.

Nem sempre estas soluções parecem justas. Diz-se que os recursos são o meio de arrastar os processos e procurar uma prescrição providencial, só ao alcance dos mais afortunados. Todavia, seria irracional e indigno que um sistema judicial consagrasse o direito ao recurso, para corrigir eventuais erros e injustiças, mas obrigasse o arguido a cumprir a pena antes.

Pode haver dúvidas sobre o efeito do recurso ou o trânsito em julgado? O efeito de cada recurso está previsto na lei e é determinado, caso a caso, pelos tribunais. No recurso de constitucionalidade, por exemplo, é o tribunal recorrido que fixa o efeito, embora a última palavra caiba ao Tribunal Constitucional. Pretende-se afastar, assim, a possibilidade de erro.

Mas há quem entenda que o factor humano deveria ser eliminado para evitar o erro. Um computador decidiria, após a introdução dos dados pertinentes e através de um programa bem concebido. Não haveria lugar a enganos ou divergências interpretativas. Porém, a rigidez do juiz autómato impediria as distinções mais subtis e a efectiva realização de Justiça.

Como pretende Ronald Dworkin, o juiz humano deve ser hercúleo, procurando incessantemente a solução justa. Não é um técnico ou um político, mas um intérprete profundo dos critérios e valores do Direito. Esse juiz não pode ficar com dúvidas sobre o trânsito em julgado, mas apenas quanto aos factos – devendo, neste caso, aplicar o "in dubio pro reo".


Por:Maria Fernanda Palma,Professora Catedrática de Direito Penal,com a devida vénia,bem como ao "Correio da Manhã" onde o presente texto originalmente se publica.

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