Em 1998, uma revisão do Código Penal pôs termo a uma situação embaraçosa para nós. O artigo 5º passou a determinar que a nossa lei se aplica a crimes cometidos por estrangeiros fora de Portugal, quando a extradição não puder ser concedida. Evita-se, assim, uma situação de eventual impunidade, que levou a "Spiegel" a chamar paraíso penal ao nosso país.
Recordei-me desta questão a propósito da recente captura de José Luís Jorge Santos, cidadão português bem integrado na sociedade, casado e com dois filhos. José, afinal, também é George Wright, norte-americano procurado há mais de 40 anos pela prática de crimes graves, incluindo um homicídio. José, ou George, foi agora traído por um telefonema para a sua irmã.
A questão jurídica é muito interessante. Sendo português, José só poderá ser extraditado em casos de terrorismo e criminalidade internacional organizada. Mas é duvidoso, aqui, o recurso à norma constitucional que permite a extradição, por ela ser posterior à prática dos crimes (o artigo 33º, nº 3, foi alterado em 2001, não devendo ser aplicado retroactivamente).
Resta perguntar se o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa não poderá ser posto em causa, uma vez que parece ter na origem uma falsificação de identidade. Em todo o caso, não deveremos esquecer que José tem, desde há dezenas de anos, um estatuto de cidadão nacional que envolve o casamento com uma portuguesa e filhos portugueses.
Considerando apenas George, o cidadão norte-americano, também há obstáculos. Se aos crimes corresponder a pena de morte, a extradição não poderá ser concedida, por força do artigo 33º, nº 6, da Constituição. Se estiver em causa a prisão perpétua, o nº 4 desse mesmo artigo exige garantias firmes, por parte dos EUA, de que tal pena não será aplicada ou executada.
Além disso, pode ter-se verificado a prescrição do procedimento criminal, visto que os factos ocorreram há mais de 40 anos. Ora, o nosso prazo prescricional mais longo é de 15 anos, embora haja situações em que é suspenso ou interrompido. E se já tiver ocorrido a prescrição, José nem poderá ser julgado em Portugal nem, em princípio, extraditado.
Mas a minha maior perplexidade diz respeito ao sentido da punição. A lei portuguesa proclama que as penas visam defender os bens jurídicos e ressocializar os condenados. A punição de José, retributiva, prosseguirá algum desses objectivos? Não será um fim em si mesma, tal como no caso, idealizado por Kant, do último condenado numa sociedade dissolvida?
Recordei-me desta questão a propósito da recente captura de José Luís Jorge Santos, cidadão português bem integrado na sociedade, casado e com dois filhos. José, afinal, também é George Wright, norte-americano procurado há mais de 40 anos pela prática de crimes graves, incluindo um homicídio. José, ou George, foi agora traído por um telefonema para a sua irmã.
A questão jurídica é muito interessante. Sendo português, José só poderá ser extraditado em casos de terrorismo e criminalidade internacional organizada. Mas é duvidoso, aqui, o recurso à norma constitucional que permite a extradição, por ela ser posterior à prática dos crimes (o artigo 33º, nº 3, foi alterado em 2001, não devendo ser aplicado retroactivamente).
Resta perguntar se o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa não poderá ser posto em causa, uma vez que parece ter na origem uma falsificação de identidade. Em todo o caso, não deveremos esquecer que José tem, desde há dezenas de anos, um estatuto de cidadão nacional que envolve o casamento com uma portuguesa e filhos portugueses.
Considerando apenas George, o cidadão norte-americano, também há obstáculos. Se aos crimes corresponder a pena de morte, a extradição não poderá ser concedida, por força do artigo 33º, nº 6, da Constituição. Se estiver em causa a prisão perpétua, o nº 4 desse mesmo artigo exige garantias firmes, por parte dos EUA, de que tal pena não será aplicada ou executada.
Além disso, pode ter-se verificado a prescrição do procedimento criminal, visto que os factos ocorreram há mais de 40 anos. Ora, o nosso prazo prescricional mais longo é de 15 anos, embora haja situações em que é suspenso ou interrompido. E se já tiver ocorrido a prescrição, José nem poderá ser julgado em Portugal nem, em princípio, extraditado.
Mas a minha maior perplexidade diz respeito ao sentido da punição. A lei portuguesa proclama que as penas visam defender os bens jurídicos e ressocializar os condenados. A punição de José, retributiva, prosseguirá algum desses objectivos? Não será um fim em si mesma, tal como no caso, idealizado por Kant, do último condenado numa sociedade dissolvida?
Por:Fernanda Palma,Professora Catedrática de Direito Penal, com a devida vénia, extensiva ao Correio da Manhã, onde foi publicado.
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